Blog Andando por Aí

O ano muda, mas alguns comportamentos não

A festa termina, mas as marcas ficam

O homem é um ser interessante. Alguns comportamentos que apresenta em sociedade indicam que é mais retardado, desprezível, sacripanta e abominável do que os mais simples dos animais que convivem com ele neste planeta. Usufruir de uma área pública, como uma praça ou uma praia, é um ato de que qualquer vivente tem o direito de fazer, a seu modo e prazer, respeitando os limites permitidos para o local. Acontece que muitas destas pessoas, que compõe o que chamamos de humanidade, consideram que são as únicas no mundo e que seus resíduos são invisíveis e inofensivos.

Passar uma virada de ano na beira do mar com luar, pouco vento e uma temperatura que permite até um banho noturno, é um dos prazeres que se pode desfrutar no nosso litoral. Vinhos, espumantes, cervejas, comida e água acompanham as pessoas para brindes a um novo dia e ano, sempre com aqueles votos de sucesso no trabalho, no amor, na família e amigos. O álcool vai entrando no sangue e vai desligando alguns circuitos cerebrais fazendo com que os problemas do ano anterior desapareçam e uma euforia pelo novo período se estabeleça e domine os indivíduos.

As horas avançam e a lua, quase cheia, inspira mais ainda os neurônios do lado alegre do cérebro e segue a festa com som, mais álcool, fumaças, abraços, amassos, risos, promessas e choros. A madrugada se arrasta para o final, denunciada pela barra alaranjada do dia que se anuncia em algum ponto do horizonte, banhado pelo prateado das ondas estourando na praia. Alguns já dormem na areia úmida, outros estão sem saber quem são e o que fazem ali, outros já se foram e alguns ainda procurando pelos últimos goles do que sobrou da farta bebida trazida.  

O sol, agora já acima do horizonte, espantou as pessoas de sua confraternização e, jogando luz e calor na praia, percebe que além da areia, que sempre está ali, há muitos restos da festa, como garrafas, latas, sacos plásticos, copos, taças, pedaços de comida, máscaras, camisinha, cadeira quebrada e cachorros procurando por sobras. Todas estas coisas foram trazidas pelas pessoas para a praia, mas devido ao alto grau de “felicidade” gerada pelo álcool e pela fumaça das fogueiras, esqueceram de levar de volta. A maré alta da manhã tenta “devolver” estes materiais estranhos aos seus donos, jogando-os o mais longe possível da linha da água. O ano muda, mas o comportamento de algumas pessoas, infelizmente não.

Minha bela Canela

 

Imagem da Catedral de Canela num amanhecer de primavera

Sou um pouco mais novo que tu, apenas alguns anos, já que nasci em 1951, no dia 15 de dezembro, e tu no dia 28 deste mesmo mês, em 1944. Somos, portanto, dezembrinos e nascidos em torno do Natal. Sempre tive respeito pelos mais velhos, ensinamento que me veio de casa, e não é diferente contigo. Lembro de anos muito distantes quando ainda éramos crianças. Eu, um piá que andava de tamancos e meias, e tu com tuas ruas calçadas de paralelepípedos ou outras ainda nuas, com terra, cascalho e muita poeira ou lama, dependendo do dia. Eu, indo para o colégio, atalhava pelos terrenos de muitas famílias, porque na época não havia muito este negócio de cercas e muros como hoje te impuseram, te cortando em pedaços cada vez menores e com casas cada vez maiores. Eu tomava água do poço que tu oferecias de teu seio negro e profundo, apoiado na sólida rocha que tudo suporta por aqui. Hoje esta água de beber vem de muito longe, lá do Rio Santa Cruz, porque nós contaminamos o teu íntimo. Sinto muita vergonha disto porque também eu, depois de beber da tua água pura que vertia no nosso poço, desprezei os princípios da sustentabilidade, caguei e mijei nas tuas fontes e nascentes. Um ato inglório para contigo, que tão bem me recebeu.

Eu, crescido já, tive que te abandonar e ir morar em outro lugar e te deixei por impossibilidade de ficar aqui, que era meu desejo. Fiquei 20 anos longe, mas sempre te visitando, te vendo, e te respeitando. Um dia voltei e novamente me estabeleci aqui, agora com meus filhos ainda bebês, assim como eu era na longínqua década de 1950. Consegui dar a eles a mesma chance que eu tive, de crescer contigo e te ver evoluir com todos os problemas e belezas que tens.

Hoje, na véspera do teu septuagésimo sexto aniversário, vejo-te não como uma velha, mas como uma jovem cidade com muita promessa de progressos e mudanças na tua urbe. Caminho pelas ruas e ainda vejo araucárias que são testemunhas do teu e do meu nascimento, e ainda estão espalhadas por alguns terrenos que resistem a uma urbanização irreversível. O Progresso está transformando muitos daqueles belos terrenos que outrora abrigavam casas para uma família, agora se despem de tudo, de toda a história armazenada quando são removidos casas, árvores, galpões, poços, calçadas e muros para abrigar um novo e gigantesco empreendimento para albergar muitas famílias. É a necessidade dos novos tempos: lugar de cinco ou seis, no passado, agora é lugar de dezenas.

Lembro que os fogões e lareiras baforavam fumaças com cheiros nativos de nó-de-pinho, grimpa, lenhas de vermelhinho, angico, cedro e cambuim que conferiam uma identidade olfativa ao outono e inverno. Hoje sinto apenas cheiros de lenhas de acácia, uva-do-japão ou eucalipto, todas madeiras vindas de muito longe. Os gramados eram cortados com foices e gadanhos, e rastelados com calma e maestria com os ancinhos e vassouras de guanxuma. Tudo em silêncio e dedicação dos jardineiros da época. Hoje há uma verdadeira gritaria de roçadeiras e assopradores que transformou nossa primavera e verão em um festival de sons irritantes e de fumaça mal cheirosa com a queima de óleo nos motores dos equipamentos. Foi-se a época dos jardins silenciosos quando o máximo de barulho que se ouvia era o do jardineiro batendo seu gadanho sobre a base de ferro para desentortar o fio quando este pegava uma pedra e fazia um dente. Era outro tempo.

Vejo também que ganhastes muitos parques e áreas de lazer que antes não eram valorizadas. Hoje, com muito orgulho, exibes teus atrativos para o mundo, tuas cascatas, teus vales, tuas florestas remanescentes, tuas sequoias, teus morros e teu ar, que ainda é puro, e o teu silêncio noturno, relíquias que devem te orgulhar e que resistiram ao tempo. Feliz aniversário, minha Bela Canela.

Nunca mais

Duas mandíbulas de javalis adultos mostrando os caninos hiperdesenvolvidos, sua principal arma

A expressão nunca mais é forte, taxativa, pressupõe mudança permanente de alguma coisa, ou de alguém. Nunca mais remete a um estado de perda ou esquecimento, mas também pode me levar a pensar em coisas que vieram e que jamais irão embora. Os pinus, estes pinheiros que foram importados do norte do México, os eucaliptos, que vieram da Austrália, os ratos de esgoto, os cavalos, ovelhas, galinhas, bois, gatos e cachorros que vieram com os europeus, e tantos outros animais e plantas que para a América foram trazidos depois de 1.500, incluindo nós, são alguns dos exemplos de organismos que nunca mais irão embora daqui. Mas quero me referir a uma espécie em particular, que é relativamente recente entre nós e que, tenho certeza, nunca mais vai nos abandonar. Falo dos javalis. O javali é o ancestral dos porcos domésticos, que foi há muito milênios domesticado na Eurásia, o grande continente formado pela Europa e Ásia, sendo hoje uma inquestionável fonte de proteína da dieta humana. Na Europa, ainda hoje, existem javalis no estado selvagem vivendo nas florestas de muitos países sem causarem os estragos que seus pares fazem aqui.

Fêmea de javali capturada e mantida em cativeiro

Em meados do século 20, alguns fazendeiros uruguaios, próximo da fronteira seca com o Rio Grande do Sul, importaram da Europa casais de javalis que foram soltos em suas fazendas, com o objetivo de terem um animal de caça. Como o bicho não conhece fronteiras, aos poucos foram se adaptando ao novo ambiente e, obedecendo uma velha lei da ecologia que, tendo disponibilidade de espaço, alimento e ausência de predadores, uma espécie introduzida em um novo ambiente logo se multiplica de forma espetacular, necessitando assim cada vez mais de novas áreas para acomodar os novos indivíduos. Assim acabaram chegando ao nosso Rio Grande e daí se espalharam, ajudados também por criadores que capturavam machos para cruzarem com as porcas domésticas, obtendo no cruzamento o conhecido Javaporco, uma mistura de porco doméstico com o sangue selvagem do javali.

Hoje, praticamente, não há lugar no nosso Rio Grande que não tenha algum registro da presença deste suídeo, alimentando um sedento grupo de caçadores que se especializaram na caça desta espécie exótica. Cães são utilizados, na maioria das vezes, para a localização das varas de javalis, sendo que muitas vezes a fúria destes porcos acabam por matar ou ferir muitos dos cães devido ao tamanho e periculosidade de suas presas que, de tão grandes, ficam para fora da mandíbula e da maxila sendo exibidas como armas intimidadoras. Ataques a caçadores são relatados principalmente quando os javalis se encontram encurralados pelos cães, quando o nível de adrenalina em seu sangue sinaliza aquele momento crucial de sobrevivência: ou ele ou eu.

Aqui no Rio Grande do Sul existem duas espécies de suídeos nativos e que habitam exclusivamente áreas de matas nativas. Falo do Queixada e do Cateto, espécies de médio porte e que se encontram em equilíbrio com o ambiente, tendo predadores como o puma e a onça pintada. Já os javalis, de porte muito maior – machos podem pesar mais de 200 quilos, tem uma capacidade de competição muitas vezes superior aos seus parentes americanos. Comem de tudo – raízes, larvas de insetos, carniça, frutas, pinhão, e algumas vezes agem como predadores de pequenos animais. São noturnos e nômades, e assim cada dia estão em um lugar, o que dificulta sua localização e captura. Por tudo isso, acredito que nunca mais vamos nos livrar dos javalis, devendo nos adaptarmos a sua presença predatória e esperar que a natureza o faça entrar em equilibrar com o novo ambiente e passa e a viver como uma espécie local, coisa que pode levar centenas de anos.

Colher e comer

Cogumelo Portini coletado em dezembro de 2020 numa mata de pinus

Os cogumelos podem despertar medo, curiosidade, indiferença ou uma irresistível atração por apreciadores de uma culinária mais raiz, daquelas do tipo “procurar, colher, preparar e comer”. Os melhores cogumelos para esta festa gastronômica são os famosos Lactários, de cor alaranjada e inconfundível pelo “leite” que vertem quando se quebra um pedaço do seu chapéu, e o Porcini, o campeão em textura e gosto silvestre. O exercício de andar pelo mato à cata destes cogumelos é um dos grandes prazeres que eu tenho, e dedico bastante tempo para isso na safra destas iguarias. Como não são cultivados, devido ao complexo sistema de relações que eles estabelecem com as árvores, só podem ser encontrados na natureza dentro ou nas bordas das matas de pinus, sua árvore parceira. Desta forma, andar na floresta com suas linhas de árvores plantadas e quase todas do mesmo tamanho e diâmetro, pode ser um exercício aborrecido e sem atrativos após alguns minutos, devido a monocromia e o silêncio observados no seu interior.

Mas quando o foco não é a floresta e suas árvores iguais, e sim aquilo que brota do chão, a coisa muda radicalmente. Eu ando com os olhos atentos a presença de qualquer coisa que destoe do tapete dourado formado pelas milhares de folhas dos pinheiros. Uma elevação no chão pode indicar um cogumelo tentando se livrar das folhas para sair e liberar seus esporos, indicando seu local com precisão. Sua cor o torna um pouco camuflado com as folhas dos pinheiros, exigindo um olhar atento e uma caminhada lenta pelos corredores de árvores sempre aproveitando, em segundo plano, os poucos sons que vagam pelo ar, podendo denunciar uma pomba, um bando de gralhas ou um carancho voando acima das árvores. Estas matas são, quase sempre, muito silenciosas e destituídas da fauna que habita os campos e matas nativas próximas, permitindo que se ande por muitas horas em um silêncio muitas vezes só cortado pelo vento agitando as copas ou fazendo fricção de uma árvore com outra, criando uma sinfonia sinistra em dias de cerração.

Mas a emoção maior é quando eu encontro um exemplar gigante de Porcini, ainda jovem e branco por baixo, indicando o ponto perfeito para ser colhido e consumido. Em casa a festa é garantida, sendo que posso preparar uma omelete, um risoto, um grelhado com queijo ou um simples refogado com alho, manteiga e óleo. O prazer desta caça ao cogumelo é algo que me move todos os outonos para estas florestas, mas este ano de 2020, com todas as anomalias que ele já nos mostrou, mudou também para a primavera a época de coleta farta. Nunca tinha colhido Porcini nem lactários fora do outono, mas 2020 é mesmo um ano anômalo e mostrou que tudo é possível, até fazer estes cogumelos outonais aparecerem pouco antes do Natal.  

Voltando ao Topo do Rio Grande

Vista do cânion e do Monte Negro, ícones do Topo do Rio Grande

Depois de mais de 120 dias, retornei a um dos meus lugares preferidos: o Topo do rio Grande, em São José dos Ausentes. Com a contração do vírus da covi-19, fiquei em recuperação durante este tempo, garantido ao meu organismo que, quando eu retornasse para o campo, estaria com minha velha forma física. E foi assim. Consegui caminhar pelos campos, subir ao topo do Monte Negro, estive em lugares que cheguei a pensar nunca mais ver, revi amigos muito especiais daqui da Estância tio Tonho, da Pousada Monte Negro, do Rincão Comprido e me senti novamente em forma e em condições de seguir com meu trabalho.

Poder novamente ver o campo no esplendor da primavera, com seus tons de verde salpicado de dezenas de formas e cores de flores das pequenas ervas que medram entre a grama e que tanto encantam nesta época. Abelhas nativas incansáveis visitam estas pequenas e coloridas flores em busca dos preciosos néctar e pólen, fundamentais para a sua sobrevivência. Nem as queimadas de final de inverno inibem estas pequenas e resistentes plantas, que se escondem das chamas rápidas que passam nas palhas do campo, ficando ocultas no solo ou como sementes ou como partes vegetativas de caules que rebrotam assim que o fogo passa.

Florada de primavera pelos campos e bordas dos cânions

Observo um barranco que tem aqui na Estância Tio Tonho e percebo o frenesi de várias espécies de aves que escolheram este local para construção do ninho e criação dos filhotes. O pequeno falcão conhecido como quiri-quiri é um deles, que aproveitou uma toca para fazer seu ninho. Outros hóspedes deste paredão são as graúnas, pequenas aves negras que vivem em bandos e que tem o hábito de se reunirem para uma cantoria que encanta e intriga. Também tem o gibão-de-couro, ave migratória que chega nesta época e se instala em alguma toca disponível. São todos insetívoros e imprimem incansáveis idas e vindas para o campo e matas do entorno em busca de alimento para os filhotes, sempre com fome... A segurança do barranco é relativa, já que os gaviões carrapateiros e os chimangos estão sempre de olho nos ninhos e, ao menor descuido, levam um filhote no bico ou nas garras. Mais desprotegidos estão os quero-queros que na base do barranco fazem seus ninhos toscos, no chão, mais sujeito a predação pelos gaviões e graxains.

A Curruspaca, nome local para a cerração, é outro fenômeno comum na primavera e verão. Quando vem, pinta tudo de branco e simplifica a paisagem. Somem as cores e o branco úmido se impõe, criando cenas fantasmagóricas e surreais. Tive sorte quando voltava para a Estância, no meio da curruspaca, e vi alguns cavalos perto da porteira de acesso a pousada. Ali parados com um fundo infinito criado pelo branco da neblina, pareciam estar na beira de um abismo, indecisos se iam adiante ou não.

Curruspaca (cerração) criando cenários surreais aqui na Estância Tio Tonho

Mas o melhor de tudo foi poder rever os meus amigos, pessoas de primeira linha de quem eu tinha muitas saudades e vontade de sentar e conversar sobre as coisas daqui, dos acontecimentos, quem morreu, que sobreviveu ao COVI-19 e saber de pessoas queridas que partiram. Muito bom rever todos e saber que a vida segue por aqui, independente da seca ou do covid-19. Somos mais fortes.

Galpão de Estância

 

Sala de ordenha da Estância tio Tonho, uma parte importante do galpão

Um galpão de estância é aquele lugar especial em qualquer fazenda onde se reúnem as vacas para o ordenha, os cavalos para a encilha e as ovelhas para a proteção dos predadores noturnos. Também ali se guardam os apetrechos de montaria, alinhados com capricho à espera do uso diário, onde os cheiros são sempre uma identidade incontestável, seja pelo aroma de terra que se evola do chão batido, do suor dos cavalos, do esterco e urina dos animais, do leite fresco e morno que é retirado nas madrugadas ou do perfume de mato fresco que entra pelas janelas, frinchas e portas.

Aqui na Estância Tio Tonho, em São José dos Ausentes, tem um destes galpões que vejo como um verdadeiro monumento ao trabalho rural e ao gauchismo serrano. Construído pelo proprietário, meu amigo Afonso Vieira, tem um apelo especial no sentido de ser uma obra erigida com tábuas de araucária de madeireiras que foram embargadas e multadas há muitos anos, por derrubadas ilegais. Afonso construiu um galpão amplo, diversificado e que atende inclusive as necessidades da sua família, já que numa das extremidades dele está inserido a sua casa, a cozinha e a sala de refeições da pousada. Um lugar único que mistura galpão autêntico, casa de família e restaurante rural, com mesas e paredes de araucárias com os nós de pinho como adereços e identidade da região, uma ampla lareira e fotos nas paredes com a história da estância e da família.

Café, almoço e janta são servidos neste recinto especial onde as almofadas são todas substituídas por pelegos de ovelhas curtidas ali mesmo. Telhas transparentes inserem uma luz natural durante o dia dispensando a eletricidade. Um fogão a lenha garante as comidas quentes nas refeições, que são sempre muito bem escoradas com uma ampla gama de saladas criadas pelas mãos hábeis da matriarca Antônia e sua filha Letícia. Dependendo da época desfilam, nas saladas, frutas da estação que são produzidas na vizinhança, como a maçã, ameixa, pêssego, goiaba e mirtilo. Espalham-se em fatias entre folhas verdes ou maionese e dão um toque especial ao cardápio do dia. Durante todo o ano tem paçoca de pinhão, um prato serrano típico que é uma marca registrada, tendo também a linguiça com pinhão, uma variação deliciosa e nutritiva da culinária campeira local.

Assistir o Afonso e seu filho Pablo reunindo os cavalos e encilhando cada um com capricho, calma e eficiência de quem faz aquilo todos os dias, é um aprendizado. Eles promovem as cavalgadas pela região dos cânions e o número de usuários não para de crescer. O plantel de cavalos crioulos, mansos e de fácil condução, encanta os hóspedes e garante uma boa renda para a família. Todos os dias, depois da ordenha, os cavalos já ficam na volta do galpão aguardando a dose de ração que devoram com gosto e muito barulho provocado pelos dentes triturando os grãos, criando uma música incomum com sons graves e ritmados de “roc, roc, roc”. Os gatos da casa têm no galpão o seu território, utilizando os lugares mais incomuns para se refugiarem do assédio dos cachorros, como trepar nos caibros e dormir tranquilamente no forro ou se emburacando sob o assoalho da sala do depósito de ração e medicamentos.

O som, o cheiro, o visual, os detalhes e o astral deste galpão contribuem para que os hospedes o adotem de pronto, circulando por ele como se fosse uma galeria de arte campestre. Os detalhes dos cabides que o Afonso fez com as ferraduras usadas e que servem para segurar os arreios, as cordas e tudo o mais que necessite ser pendurado, é apenas um dos quadros expostos por este artista campeiro. Vale conhecer a galeria de arte gaudéria. Parabéns Afonso, Antônia, Pablo e Letícia. Este galpão é diferenciado e vocês são os responsáveis. 

Apelidos

 

Chamar alguém pelo apelido denota uma certa intimidade com a pessoa, um certo conhecimento maior de seus hábitos, estilo de vida e pode sugerir uma convivência de longa data, seja no tempo de escola ou no ambiente profissional.

Apelido, alcunha ou antonomásia são sinônimos para esta forma rápida e perspicaz que algumas pessoas dominam em olhar para alguém, conversar um pouco com elas e criar um apelido que sintetize a pessoa. Muitas vezes de forma jocosa, os apelidos simplificam os chamados e aproximam pessoas de um mesmo grupo, tornando-as mais íntimas e confidentes.

Minha turma de infância, hoje espalhada por este mundão, não fugiu à regra.  Já bem cedo, no tempo de colégio, surgiram os apelidos, muitas vezes até mais de um: Vitino ou Xeréx, Erasmão ou Nego Cuspe, Sapo, Áugust, Alemão ou Tito, Beto, Tibiríades, Cisco ou Neca, Peito, Cabroxa ou Zá.  Estes nomes surgiram de características de cada um, ou de situações que faziam lembrar da pessoa e quem os cunhou percebeu a relação de um com o outro de forma sutil e muito precisa.

Eu tomo, sempre que possível, um café da manhã num bar que é conhecido mais pelo apelido do que pelo seu verdadeiro nome. É o bar do Xeróx, apelido dado ao Volks Bar devido a semelhanças que havia entre os irmãos que eram os antigos proprietários. Ali conheci e me relaciono com uma galera que marca presença cedo, seguindo depois para as mais diversificadas atividades profissionais. Assim, entraram na minha lista de amigos com apelidos: Tomate, Maçaneta, Palito, Cachopa, Nene, Samuca ou Azedinho, Chima, Zé e Chuvisco, todos muito divertidos e que tornam os cafés da manhã um exercício de bom humor e de atualizações dos acontecimentos recentes da cidade e do mundo.

Apelidar é simplificar, é ir direto a alguma característica do indivíduo, bem diferente do nome de batismo que nada tem a ver com o que vai ser ou gostar de fazer o indivíduo. Acho o batismo do apelido muito mais eficiente do que o próprio nome, e muitas vezes a pessoa é mesmo mais conhecida por ele. Sissóca e Seca Seis, dois nomes que nos atormentavam quando crianças; Deixa-que-eu-chuto e Aqui-tá-fundo-aqui-tá-raso para designar um manco; Caolho para alguém com um só olho; Perna-oca para aquele que come desmesuradamente; Geada, para um albino com os cabelos sempre brancos; Cipreste, para um amigo que uma vez bateu de cara numa destas árvores; Xulé, para um cachorro meu que não saída de perto dos meus pés; Cabrito, para um amigo que era muito hábil em pular sobre pedras quando atravessávamos o Rio do Boi, no Itaimbezinho; INRI, para um amigo muito parecido com Jesus Cristo.

Assim é a vida, onde os nomes de batismo são relegados a um segundo plano e os apelidos, versáteis, engraçados e fortes,traduzem mais fielmente as características do que a pessoa é, ou foi em determinado tempo. E segue a lista interminável.... Prego, Tatu, Chimia, Zuza, Pepe, Armário, Tripé, Zoreia, Pipoca, Lagarto, Vassoura, Maravilha, Telefone, Ferrugem, Tarzan, Ratão, Xita, Porco, Jacaré, Rim, Pantufa, Toco, Leitão, Gigante, Chumbinho, Caju, Cheiroso, Gota, Cabelo, Bodinho ....

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