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Bujuru, a boca da mata

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Sentir a pulsação da vida de um lugar é, para mim, o melhor de uma viagem. Assim foi quando cheguei em Bujuru, pequeno distrito de São José do Norte, localizado entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico, justo naquela estreita tira de areias e lagoas que se desenha no mapa do Rio Grande do Sul. O nome indígena quer dizer Boca de cobra, querendo sugerir uma entrada na mata. Há por aqui poucos habitantes e muitos trabalhadores temporários, quase todos vindos de fora para atender uma crescente indústria extrativista de seiva de pinus, a semelhança das seringueiras. Desta seiva branca e pegajosa, a indústria química extrai dezenas de produtos de utilidade diária na vida das pessoas.

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Quem não extrai seiva, pesca. Aqui no litoral retilíneo e plano de Bujuru tem um dos melhores pontos de pesca de papa-terra, peixe nativo da nossa costa, sendo procurados por pescadores profissionais e amadores de todos os rincões. O marisco, este molusco que vive na zona rasa da costa, também por aqui é abundante e há uma estreita relação entre ele e o peixe. Ocorre que a larva do marisco necessita viver temporariamente presa às brânquias do papa-terra até se desligar e viver no fundo do mar. Esta parceria funciona bem por aqui, visto a abundância de ambos.

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O luxo é um artigo desnecessário por aqui, mas o capricho, a simplicidade e o bem receber compensam de muito longe todo o resto. A pousada Freitas é comandada pela dona Laureci, mais conhecida por vó Lelê com 87 anos, idade que não a impede de atender sozinha aos seus hóspedes. Recebe a todos com carinho e calor, mostra-lhes a modesta casa, os quartos, os banheiros, a sala com a tv, a cozinha bem equipada e diz: “a casa é de vocês”. E assim nos sentimos de fato. Cozinha a disposição, vinho, baralho e um regalo feito por um pescador local de alguns papa-terras frescos, fez a janta ficar de alto nível de sabor e prazer.

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Este pescador local é um conhecido de todos por aqui e tem os melhores pescados que se pode querer. É o famoso Tiririca, homem de uma energia ímpar, auxiliado pela sua esposa e filho, é o cara que sabe tudo de mar, de locais de pesca, de atoleiros que se deve evitar e com um arsenal de histórias sobre pescadores que por aqui chegam que é de encher um livro. Ele garante seu produto e ensina que o maior erro que se comete ao descongelar os peixes, é o fazendo com água quente ou no micro-ondas. “isto estraga o produto”, vaticina ele com muita energia e humor.

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Ruas arenosas, com muita água empoçada aqui e ali, terrenos baldios com cavalos, muitas figueiras centenárias sombreiam homens e bichos, casas novas bem pintadas, outras velhas e sem tinta alguma que não seja aquela do rigor do tempo, uma igreja de 1872 e muitas mais recentes de muitos credos e estilos, comércio reduzido e proporcional ao pequeno número de pessoas que aqui moram, todos embalados pelo vento e pelo cenário espetacular coberto por um céu amplo que vai de um horizonte a outro sem grandes impedimentos, uma vez que a planície costeira não tem montanhas nem vales. Quando não venta, o dia é despertado e finalizado pelo alarido de um bando de dezenas de curicacas que, parece, estão ali para animar as pessoas, diminuindo sua solidão que o lugar empresta. 

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