Blog Andando por Aí

A bela Canela

Minha cidade sempre me inspirou, sempre me acolheu, me entendeu e me viu crescer. Nasci numa época em que tudo era mais simples, menor e com a vida das pessoas regrada por outros valores, diferentes da maioria dos que hoje existem. Cresci em frente a uma grande madeireira, onde passava muitas horas entre as pilhas gigantescas de tábuas de araucária que desafiavam a minha imaginação de como aquilo era possível e de onde vinham aquelas fatias douradas de uma madeira aromática e resinosa. Não entendia como chegavam ali, mas de alguma forma, admirava aquela arquitetura de estocar as tábuas sempre separadas por sarrafos, o que tornava as pilhas fáceis de escalar. Eram como obstáculos a serem vencidos e quando chegava lá em cima admirava a altura e ficava satisfeito pelo fato de ter vencido o desafio. O cheiro de pinho e de resina que exalava de todos os ambientes da madeireira até hoje eu lembro, ou sinto, não sei ao certo.

A nossa majestosa Igreja, na minha época de estudante do Colégio Marista, era um esqueleto em construção, com seus andaimes de madeira contornando a velha igreja que ia ficando escondida pela nova construção, até ser demolida. As pedras de basalto que revestem a igreja formam desenhos aleatórios que bem poderiam ser interpretados como hieróglifos de um passado geológico e, se tivéssemos habilidade de “ler” suas garatujas líticas, poderíamos retroceder a um tempo inimaginável de mais de 150 milhões de anos, quando estas rochas se formaram. Era um tempo de dinossauros, araucárias e xaxins gigantes, sem a raça humana ainda a andar caçando e coletando seus alimentos.

Sou, como todos da minha geração, um testemunho do tempo que acompanhou a bela Canela se modificar de uma forma que hoje quase não se reconhece mais. Evoluiu em muitos aspectos e isso pode ser visto nas novas construções que medram em todos os lugares, quando já vão se tornando comuns ações práticas de sustentabilidade, como captação de água de chuva para múltiplos usos domésticos, geração de energia fotovoltaica, limpa e abundante, garagens subterrâneas com recarga de baterias para carros elétricos, mesmo que ainda não sejam vistos por aqui.

Sempre ando pelas ruas da cidade em busca de algo que me chame a atenção, uma mudança, uma reforma, uma demolição de casa antiga onde moraram poucas pessoas para dar lugar a um novo prédio onde passarão a morar dezenas de famílias. Assim os espaços vão sendo socializados e as pessoas empilhadas,

As araucárias, que tanto aprecio e que eu cresci vendo suas tábuas, junto com as pedras da nossa igreja, mais os paralelepípedos que revestiam as ruas da bela Canela, são, de certa forma, contemporâneos de um tempo remoto, mas que mostram que a persistência genética e a dureza dos materiais atravessam o tempo, muito mais do que nós, que hoje utilizamos estas pedras para revestir externamente prédios, pavimentar ruas e calçadas ou a madeira para revestir internamente algumas residências para dar um ar de um tempo passado que vive mais na lembrança do que no presente. Sempre necessitamos e vamos necessitar do passado, mesmo que seja para buscarmos nele apenas referências para nosso conforto e segurança no presente.

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