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A gênese de um queijo

 O orgulho da familia: seus queijos premiados

Queijo é como vinho ou chocolate: eles se mostram mesmo é na boca. Um queijo pode ser feito de muitas formas e com leites de diversas espécies de ruminantes como vacas, búfalas, cabras e ovelhas. Cada um destes mamíferos empresta um gosto especial ao leite, sendo o queijo resultante fruto de uma soma de fatores, tanto ambientais como de manipulação.

A familia Lopes ao redor do fogão se preparando para a ordenha do dia

Há muitas etapas a serem cumpridas até que o queijo surja, amadureça e chegue à boca do consumidor. Aqui no Rincão Comprido, em São José dos Ausentes, a produção diária de um dos queijos mais premiados da região inicia bem cedo e ainda na cozinha da casa, onde a família Lopes se reúnem em volta do fogão a lenha para tomarem um café preto com açúcar. Ali combinam detalhes, falam das coisas da casa e ajustam os preparativos para a ordenha, numa espécie de concentração para o trabalho de duas a três horas que vem pela frente. O balde de água bem quente para higienização de mãos e tetos das vacas já está pronto e o grupo segue em silêncio para o galpão.  Berros de vacas e terneiros já são ouvidos denunciando a fome dos últimos devido ao período de 18 horas que ficaram separados das vacas.

O galpão com sua penumbra, as vacas e as preparações para a ordenha do dia

Uma a uma as vacas são trazidas para o abrigo sombrio do galpão de chão batido e vão se posicionando aleatoriamente a espera de seus terneiros, que estão em um compartimento ao lado. Este tempo no galpão parece uma boa hora para as vacas ruminarem, já que não há pasto disponível. Parecendo que mascam chicletes, elas mastigam incansavelmente os bolos de grama e saliva que regurgitaram para a boca. Em seguida engolem o mascado e regurgitam novo bolo, reiniciando o processo. O berreiro dos terneiros denuncia sua fome por leite e pelo contato com as mães. Auxiliado pelo patriarca Antônio Lopes, uma a uma as vacas são amarradas e seus terneiros trazidos para que comecem mamar, dando cabeçadas no úbere, liberando o leite, ação conhecida como apojo. Em seguida as mulheres da casa – Dona Maria Lopes e sua filha Edinaira, iniciam a ordenha num ambiente de pouca luz, com mugidos angustiados, música gaúcha e notícias locais da Nevasca FM, chiado do leite saindo dos tetos e se derramando nos jarros, vozes de comando das mulheres chamando cada terneiro e vaca pelo nome, cheiro de galpão e de leite quente que, juntos, formam uma sinfonia campeira que embala a fase da ordenha.

Edinaira oredenhando uma das vacas que ela conhece e chama pelo nome: esta é a Gralha.

A última vaca ordenhada tem o seu leite destinado ao consumo da casa e ao preparo do camargo, esta deliciosa mistura de café preto recém passado com o leite tirado ali no galpão, esguichado diretamente na caneca, criando uma cremosidade e um sabor indescritíveis.

A hora do camargo marca o final da ordenha

Finalizada a ordenha, as vacas já soltas com seus terneiros no pasto próximo, Dona Maria já está na queijaria paramentada com avental e toca iniciando o processo de ajuste do sal e da adição do coalho ao leite cru. Todo o produto da ordenha da manhã – 30 litros neste início de início de primavera, agora passa pelo processo de formação da massa que originará o queijo. Separado o soro da massa, é hora de encher as formas, apertar mais um pouco com as mãos e colocar um peso para que saia o restante do líquido e o queijo adquira sua forma definitiva.

Dona Maria prepara a alquimia que transformará leite crú em queijo

Cerca de vinte horas depois os queijos são retirados das formas e colocados para curar, o que leva no mínimo 60 dias. O soro, um líquido amarelado e rico em nutrientes, é dado para os porcos e para as mesmas vacas que o produziram, criando-se assim um ciclo.

Depois da ordenha as vacas, touros e terneiros ficam juntos

O sabor deste queijo é fruto de uma soma de fatores que envolve alimentação e manejo das vacas, as raças rústicas criadas, a sanidade do rebanho e, principalmente, a utilização de uma receita ancestral que acompanha a família Lopes por mais de 200 anos. Dona Maria e Edinaira são dedicadas e muito profissionais, levando o trabalho da confecção deste queijo como um compromisso com seus antepassados, com a família e com todos os turistas que usufruem desta iguaria que tem uma identidade, uma história e muito amor envolvido. Tudo isto para que você coloque um pedaço deste queijo na boca e sinta a delícia que foi produzida pela alquimia que transformou leite cru, sal, coalho e muita dedicação, em um manjar que pode ser consumido puro ou com qualquer outro acompanhamento, inclusive um copo de vinho ou um pedaço de chocolate. Comer um queijo destes é como descobrir o sabor oculto dos Campos de Cima da Serra.

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