Blog Andando por Aí

Na quarentena

Azul lá, azul cá.

Nesta quarentena que faço, e que optei por ser longe de um centro urbano, consigo andar diariamente pelo campo para conhecer novas quebradas ou rever outras que aprecio sobremaneira. Sempre passo por este açude e vejo um espelho de água que reflete, ora o céu azul, ora um céu chumbado e carregado de nuvens escuras. Hoje fiz um caminho diferente e percorri a margem norte, sendo favorecido pelo sol da manhã às minhas costas que criou este cenário de reflexo, parecendo que o açude, com ciúmes do azul intenso do céu, resolveu imitá-lo. As araucárias ao fundo, indiferentes, apenas apreciam a composição e eu sigo pensando em como a natureza é uma poderosa inspiradora, afastando de mim os maus fluidos que circulam pelo planeta nestes dias.

 

Macela amarela

Ao caminhar pelo campo, cedo nas manhãs, fico impressionado com a quantidade de macela já em plena floração, maduras mesmo e no ponto de serem colhidas. Aprecio o espetáculo dos buquês amarelos em meio ao capim caninha, pintando aqui e acolá a identificação da estação – o outono e a proximidade da Páscoa. Colho um pequeno maço de flores que me garantirão o chá do dia, misturado a água do chimarrão, e aprecio o resto que produzirá sementes para o ano que vem. Bom ver esta erva nativa preciosa, tão cultuada na tradição da medicina campeira, com o vigor com que se mostra neste início de outono.  

 

Os reis do cânion

O urubu-de-cabeça-preta é o rei incontestável dos ares e dos penhascos aqui dos cânions. De aspecto pouco simpático, seja pelo seu hábito de comer carniça ou pelo manto negro que o cobre, parecendo de mau agouro, esta ave é de fundamental importância para o ecossistema dos campos daqui. Sempre atentos a qualquer cadáver, chegam em bando para o banquete que, depois de alguns dias socializando a carniça com os caranchos, graxains e até os javalis, resta apenas um amontoado de ossos. Assim o campo fica limpo, diminuindo a possibilidade de contaminação. Encontrei dois destes reis do cânion numa borda do Monte Negro e, com muito vagar e paciência, consegui uma boa aproximação para o registro fotográfico, num lugar em que só havia eles, algumas seriemas e eu, na imensidão do campo em época de quarentena humana.

 

Safra discreta

Época de cogumelos, de fartura e de grandes pratos à base desta iguaria que, uma vez por ano – e sempre no outono, aparecem para que se perpetue a espécie com os novos esporos guardados e agora liberado de suas lamelas. A produção ainda é bem discreta, fruto da grande seca que atravessamos, e só consegui encher o meu chapéu com um porcini e vários lactários – estes últimos de cor laranja. Rendeu um bom refogado ao alho e óleo, suficiente para um ótimo tira-gosto que antecedeu o jantar. Iguarias como estas tem um gosto terrunho, único e permitem uma confraternização de muita alegria e satisfação. Salve a temporada que se inicia, e que venham logo as chuvas para aumentar a safra.

 

Imponência na paisagem

Ver o Monte Negro de perto ou de longe, imprime em mim emoções diferentes, dependendo do ângulo ou da transparência da atmosfera no dia da visita. Nesta semana pude apreciar uma destas raras oportunidades oferecidas por aqueles dias calmos, sem vento e com um sol outonal em um céu azul total. Avistado de longe, o Monte Negro parece apenas uma protuberância na paisagem recortada de paredões e cânions aos seus pés. As matas de encosta já começam a se colorir com a floração lilás da quaresmeira-da-serra e amarela do capitão-trepador. Fico por aqui ainda, aguardando o desenrolar dos acontecimentos relacionados ao corona. Saudades de casa, dos meus familiares, dos amigos, da minha cidade, mas confesso que, pelo que tenho visto, aqui parece estar melhor. O preço a pagar é a saudades. Que seja breve para todos nós.

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