Blog Andando por Aí

Pinhão achado.

 

Tem algumas coisas na vida que dou mais valor em relação a outras, que considero melhores e com um sabor singular. Há circunstâncias que são únicas, não se repetem com frequência e deixam lembranças marcadas como tatuagens, perenes e sempre vivas na memória. Um deles é meu hábito anual de catar pinhão maduro no mato. Achar o pinheiro fêmea que gentilmente cedeu seus pinhões ao solo, após maduros que estavam, é como encontrar um tesouro, com a diferença que o butim está à mostra, e não enterrado. Ver aqueles cones dourados espalhados e salpicando o chão, entremeados entre folhas e grimpas, estimula a coleta de alguns para o consumo imediato neste início do outono. Dependendo do local e da data, é fácil encher uma mochila e voltar para casa satisfeito, como se o desejo ancestral de trazer comida para casa fora realizado com êxito, sabendo que há muito mais por lá e que muitos são os comensais da mata que usufruirão deste manjar. 

Esta semente acobreada, que tem a forma cônica e aspecto curioso, com aquele único espinho na base, parece um pequeno dardo que é atirado pelo pinheiro com auxílio do vento para que vá longe, crave no solo fofo da mata e germine. Como as tartarugas, que colocam milhares de ovos para que um ou outro chegue a fase adulta, as araucárias produzem milhares de pinhões para que poucos sigam a sina de crescerem, escapando das armadilhas do ambiente – predação, fogo e seca para chegarem a fase adulta e repetirem o que fazem seus ancestrais.

No chão, já longe da pinha, os pinhões são catados por quem os aprecia, sejam eles humanos ou não. As grimpas, estas espinhentas folhas mortas dos pinheiros, querem proteger os pinhões, criando dificuldades para que sejam apanhados, espetando dedos e focinhos de quem tenta apanhá-los. Parece uma estratégia de segurança do pinheiro, uma derradeira tentativa de esconder as sementes dos predadores, que escorregam muito facilmente por entre os espinhos e se metem ao abrigo junto ao solo, protegendo-se nos seus meandros. Muitas espetadas nos dedos e flexões das costas são o preço a pagar por catar os pinhões no mato, mas o prazer é prontamente suplantado pelo sabor deste pinhão maduro e o conhecimento da origem do produto, bem diferente de comprar um quilo da semente em um mercado, quando desconhecemos de onde veio e como foi catado.

Durante a catação dos pinhões vejo que muitos já foram achados e consumidos antes de mim, fato comprovado pelas inúmeras cascas vazias sobre o solo. Isto me mostra a grande cadeia alimentar que se estabelece nesta época pelas matas de pinheiros, onde ouriços, gralhas, saracuras, papagaios, tiribas, veados, roedores pequenos do solo e outros tantos comensais se fartam com este maná. Por isso cato com respeito e não de forma predatória, sempre deixando uma parte para aqueles que, assim como eu, gostam muito desta preciosa semente e, diferente de mim, aqui vivem e dependem delas mais do que eu.  

Este pinhão catado é amadurecido na pinha e cai no momento em que está maduro, o que explica seu valor e sabor. Ele tem uma massa levemente adocicada, firme e de um retrogosto indescritível, algo que se completa muito bem com uma carne desfiada com molho de tomates ou uma boa linguiça, arroz com páprica defumada, alho e um cálice de vinho.

Todos gostam de pinhões, sejam assados na chapa de um fogão a lenha, cozidos na água ou tostados em uma fogueira de grimpas. O paradoxo é que nem todos que gostam do pinhão, gostam das araucárias. Alguns comem a semente com prazer, mas não gostam da presença de quem a produz, por considerarem as árvores importunas, perigosas ou boas mesmo para serem transformadas em tábuas. Temos leis restritivas apoiando a conservação desta rara espécie, mas elas criam alguns problemas que acabam mais destruindo do que preservando a árvore. Pinheiros urbanos são sim ameaças as casas, fiação elétrica aérea e outros inconvenientes, o que faz com que cada vez mais, tenhamos menos araucárias pela cidade. Mas o gosto pelo pinhão, ao contrário, só aumenta. Assim as coisas são: apreciamos o pinhão, mas não queremos por perto os pinheiros.

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