Blog Andando por Aí

Estradas

 

Estância Tio Tonho, São José dos Ausentes

Gosto de estradas, sejam elas modernas com asfalto, pinturas, sinalização e viadutos, ou aquelas mais bucólicas de chão batido, curvas fechadas, pedras e buracos. Até mesmo as trilhas de animais ou de caminhantes me encantam e sigo por elas com mais gosto ainda já que, destas últimas, pouco sei e muito menos para onde me levam.

Andar por uma estrada, como a da foto que ilustra esta crônica, é muito confortante e me traz aquela paz das primeiras horas de uma manhã ensolarada, mas de uma forma tão mais intensa que não lembro de coisas que consigam fazer isso melhor. Andar devagar, sentindo o terreno irregular e tendo que desviar aqui e ali de alguma poça, pedra ou buraco, perceber o vento, ouvir o som das matas do entorno, sentir o cheiro úmido dos pinheiros e seus liquens e musgos, colher e comer frutos nativos maduros das margens espanta qualquer pensamento negativo, torna a caminhada instigante e produz uma corrente de vibrações boas que me tocam para frente, querendo saber o que tem depois da curva.

Deserto ao norte do Chile

Estradas conhecidas levam a destinos conhecidos, mas a cada vez que passo por elas descubro novos detalhes. Um barranco que agora está coberto por samambaias, uma árvore que caiu em função do último movimento de máquinas para consertar a estrada ou pelo vento forte do último temporal, um arroio com maior quantidade de água, esterco fresco mostrando que o gado andou por ali, gritos de papagaios nos galhos altos dos pinheiros, cheiro de mel, zumbido de mamangavas numa touceira de carqueja em flor, a corrida de uma saracura cruzando a estrada a frente e uma disparada assustada de uns terneiros que pastavam tranquilamente na grama macia do campo.

Quando não sei o destino da estrada ou trilha, a emoção aumenta, e fico mais ligado em cada passo, em cada metro percorrido saboreando o que se apresenta. Um arroio novo com suas águas ligeiras cantando sobre as pedras do leito; um arbusto desconhecido em flor ou com frutos e que me desafia a sua identificação; um canto diferente de ave que me faz buscar na memória algo semelhante já ouvido; cheiros que me levam a gostos e situações já vividas, vistas e sentidas. Uma curva adiante cria a expectativa do que vem depois, alarga minhas pupilas, apura o olfato, aguça meus ouvidos em busca de coisas novas, de lugares únicos, diferentes, silenciosos ou com algazarras de água, cigarras e aves. Outra curva me faz sair do campo e mergulhar em densas matarias, com suas sombras e mistérios a descobrir, temer e apreciar. Assim vejo as estradas, como caminhos para uma descoberta, para o novo, mesmo andando por aquelas que já trilhei.

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