Blog Andando por Aí

Vendo e ouvindo

Vendo

Gosto de ir a algum lugar remoto onde a paisagem me remete à ausência de rastros humanos ou, pelo menos, com o menor indício de sua presença. Estou agora num destes lugares que escolhi a dedo, tendo à frente o horizonte norte e um mar verde de campos nativos com uma mistura equilibrada de capões de matas de araucária. Os matizes de verde impressionam porque variam entre o escuro e o claro, gradações que mostram o vigor dos campos de primavera e a soberania escura das araucárias que se impõe nas matas. Este equilíbrio de tons verdes dá, à paisagem, um toque de artista, de pintor de quadros que transcreve, fielmente, as cores que vê. Pinceladas de sombras escuras se projetam no chão dos capões abertos, revelando a posição do sol no momento.

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Os sons das aves se misturam à paisagem e criam uma música de fundo com uma grande variedade de instrumentos que se completam na confusão dos participantes que tocam comandados por um maestro que não enxergam, mas sentem. Assim, percebo que algumas perdizes se comunicam com seu trinado curto e inconfundível, ocultas que estão pelos altos talos do campo, não se vendo, mas se ouvindo, se encontrando.  O vento sarandeia pelos galhos das araucárias fazendo com que dancem ao som de uma música ancestral, girando para lá e para cá e emitindo sons telúricos, como se estivessem num baile campeiro muito alegre e divertido.

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Um bando de gralhas se aproxima de mim, que estou à sombra na borda de uma mata, sentado e escrevendo, e começam a espiar este intruso que parece não se mexer. Uma formiga sobe pelas minhas canelas que, vencendo o cano da bota e entrando por baixo da calça, exige uma ação para removê-la. O movimento repentino denuncia minha presença para as gralhas que, com forte alarido, somem no interior do capão. Um canário-da-terra macho, aquele todo amarelo, pousa no topo de uma araucária próxima e começa a cantar para uma fêmea invisível. Seu canto é, na verdade, um chamado desesperado, melodioso, sibilante e alegre, para ser ouvido e querido por uma parceira. É a primavera e seus efeitos sobre os animais e as plantas.

As sombras do capão estão mais longas, indicando o passar das horas. Um bando de corucacas passa a baixa altura com seu “crac” “crac” característico, indo para algum lugar na direção oeste onde estão as casas da estância. Um quero-quero emite um alarme distante, sugerindo algum predador em seu território. Nesta época, tem seu ninho no solo com ovos sendo chocados ou já com filhotes espalhados, tão pequenos como pintos recém-saídos da casca. São presa fácil para os gaviões e graxains que rondam o campo sem descanso. O vento segue seu baile com as araucárias e parece que vai longe o fandango...

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