Blog Andando por Aí

Nunca mais

Duas mandíbulas de javalis adultos mostrando os caninos hiperdesenvolvidos, sua principal arma

A expressão nunca mais é forte, taxativa, pressupõe mudança permanente de alguma coisa, ou de alguém. Nunca mais remete a um estado de perda ou esquecimento, mas também pode me levar a pensar em coisas que vieram e que jamais irão embora. Os pinus, estes pinheiros que foram importados do norte do México, os eucaliptos, que vieram da Austrália, os ratos de esgoto, os cavalos, ovelhas, galinhas, bois, gatos e cachorros que vieram com os europeus, e tantos outros animais e plantas que para a América foram trazidos depois de 1.500, incluindo nós, são alguns dos exemplos de organismos que nunca mais irão embora daqui. Mas quero me referir a uma espécie em particular, que é relativamente recente entre nós e que, tenho certeza, nunca mais vai nos abandonar. Falo dos javalis. O javali é o ancestral dos porcos domésticos, que foi há muito milênios domesticado na Eurásia, o grande continente formado pela Europa e Ásia, sendo hoje uma inquestionável fonte de proteína da dieta humana. Na Europa, ainda hoje, existem javalis no estado selvagem vivendo nas florestas de muitos países sem causarem os estragos que seus pares fazem aqui.

Fêmea de javali capturada e mantida em cativeiro

Em meados do século 20, alguns fazendeiros uruguaios, próximo da fronteira seca com o Rio Grande do Sul, importaram da Europa casais de javalis que foram soltos em suas fazendas, com o objetivo de terem um animal de caça. Como o bicho não conhece fronteiras, aos poucos foram se adaptando ao novo ambiente e, obedecendo uma velha lei da ecologia que, tendo disponibilidade de espaço, alimento e ausência de predadores, uma espécie introduzida em um novo ambiente logo se multiplica de forma espetacular, necessitando assim cada vez mais de novas áreas para acomodar os novos indivíduos. Assim acabaram chegando ao nosso Rio Grande e daí se espalharam, ajudados também por criadores que capturavam machos para cruzarem com as porcas domésticas, obtendo no cruzamento o conhecido Javaporco, uma mistura de porco doméstico com o sangue selvagem do javali.

Hoje, praticamente, não há lugar no nosso Rio Grande que não tenha algum registro da presença deste suídeo, alimentando um sedento grupo de caçadores que se especializaram na caça desta espécie exótica. Cães são utilizados, na maioria das vezes, para a localização das varas de javalis, sendo que muitas vezes a fúria destes porcos acabam por matar ou ferir muitos dos cães devido ao tamanho e periculosidade de suas presas que, de tão grandes, ficam para fora da mandíbula e da maxila sendo exibidas como armas intimidadoras. Ataques a caçadores são relatados principalmente quando os javalis se encontram encurralados pelos cães, quando o nível de adrenalina em seu sangue sinaliza aquele momento crucial de sobrevivência: ou ele ou eu.

Aqui no Rio Grande do Sul existem duas espécies de suídeos nativos e que habitam exclusivamente áreas de matas nativas. Falo do Queixada e do Cateto, espécies de médio porte e que se encontram em equilíbrio com o ambiente, tendo predadores como o puma e a onça pintada. Já os javalis, de porte muito maior – machos podem pesar mais de 200 quilos, tem uma capacidade de competição muitas vezes superior aos seus parentes americanos. Comem de tudo – raízes, larvas de insetos, carniça, frutas, pinhão, e algumas vezes agem como predadores de pequenos animais. São noturnos e nômades, e assim cada dia estão em um lugar, o que dificulta sua localização e captura. Por tudo isso, acredito que nunca mais vamos nos livrar dos javalis, devendo nos adaptarmos a sua presença predatória e esperar que a natureza o faça entrar em equilibrar com o novo ambiente e passa e a viver como uma espécie local, coisa que pode levar centenas de anos.

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