Eu sou o tempo

É difícil me definir. Sou etéreo, intangível, sem corpo, forma, cor, cheiro, gosto ou textura. Estou aqui pelo mundo desde que ele existe sendo, portanto, contemporâneo a sua criação. Vejo tudo com calma, já que este é o meu maior predicado. A calma. Nunca me apresso, atropelo ou acelero algum acontecimento. Sempre no meu ritmo, as coisas vão seguindo e eu acompanhando. Sou velho e novo, já que estou sempre por aí. Acompanhei o surgimento deste planeta e todas as suas modificações, que não foram poucas, e me sinto plenamente capaz de seguir acompanhando o que virá.

Dizem que sou a cura de muitos males e até criaram adágios envolvendo meu nome: “o tempo é o melhor remédio”, “Só o tempo dirá...”, “Há tempo para tudo”, “Tudo a seu tempo” e muitos outros. A paciência é o segredo que carrego porque sei que é impossível antecipar ou acelerar acontecimentos. Tudo tem sua hora e forma de acontecer. Muitos homens não entendem o meu mecanismo e, durante seu breve período de vida por aqui, acham que podem me apressar, ou alterar meu andar. Esta ilusão traz sofrimento, doença e envelhecimento precoce.

Os homens criaram os relógios para me marcar, mas a invenção só aumentou as suas angústias, já que passei a controlar a vida deles de forma a atormentá-los, obrigando-os a me seguir aos segundos, minutos e horas. Colocam-me nas torres de igrejas, paredes de estabelecimentos comerciais, nos pulsos e, agora, nos celulares.  Eles eram mais felizes quando só me viam ou percebiam nas mudanças de estações, nas viradas da luas e entre os nascimentos e mortes.

Outros seres vivos deste belo planeta não me marcam, apenas me absorvem. Quanto vive uma bactéria, uma mosca, um musgo, uma araucária, um homem? O tempo de vida de cada um não me importa e não altera meu pensar, apenas observo sua velocidade e acontecimentos, sem interferir. Sou imune a mim mesmo, vou existir enquanto existir o planeta, já que esta foi uma combinação que fizemos quando surgimos simultaneamente, há muito, muito tempo atrás.