Blog Andando por Aí

A geada

Monte Negro e o campo branco de geada no momento que nasce o sol

Lembro das geadas da minha infância, aquelas de branquear gramados, ruas, calçadas, telhados e congelar poças de água que se acumulavam da chuva anterior. Lembro do som sutil do gelo se quebrando sob os meus pés quando ia para o colégio, muitas vezes de tamanco e meia, uma dupla imbatível para esquentar os pés. O frio no rosto e as mãos geladas eram parte do atrativo daquelas manhãs de inverno que ainda nos permitia sermos adultos quando “fumávamos”, expirando o vapor dos pulmões parecendo fumaça de cigarros. Era muito divertido ser criança nos invernos aqui de Canela.

Semana passada (10 de julho de 2018) resolvi matar a saudade do Topo do Rio Grande e me larguei em direção aos amigos da Pousada Monte Negro e da Estância Tio Tonho, lá em São José dos Ausentes. Cheguei na terça mesmo, dia 10, e a previsão era de um dia meio chuvoso ainda, mas com promessa de melhorar ao longo da semana. E assim o tempo se firmou no dia 11 e o sol voltou, depois de muitos dias de chuvas fortes que encheram açudes, banhados e arroios, alimentando fartamente os rios que aqui nascem, como o Antas, o Uruguai e o Araranguá. O frio do final do dia anunciava que a madrugada seria gelada e a neve, tão esperada, tinha se evaporado com o sumiço das nuvens, deixando um céu limpo e azul escuro.

Acordei na madrugada e vi que faltava pouco para as seis horas. Levantei meio contrariado com o frio, mas já construindo imagens de uma geada que prometia. Abri o tampo da janela do quarto e vi que o vapor acumulado da noite estava congelado por dentro, criando uma película fina de gelo. Frio bagual, pensei. Saí e me certifiquei que o céu estava estrelado e não se movia uma folha, atestando a ausência do vento e um frio de cortar, três fatores indispensáveis para uma geada forte. E ela estava ali sim, muito forte e espalhada por onde minha vista alcançava, iluminada pelo poste de luz alaranjada do canto do galpão da Estância Tio Tonho. Levei um tempo para retirar o gelo do para brisas do carro, fiz um mate bem quente e topetudo e segui para o Topo do Rio Grande, distante uns três quilômetros da estância. Viagem perigosa, de subidas e descidas com a estrada congelada que poderia me jogar para os barrancos, visibilidade precária porque o vidro embaçava e o ar quente não dava conta do serviço.

Cânion Monte Negro e o campo coberto de geada logo que nasce o sol

Quando cheguei no sopé do Monte Negro, senti todo o peso do silêncio e do frio daquele belíssimo lugar, único em muitos aspectos. Já estivera ali muitas vezes antes mas confesso que foi a primeira vez com aquela penumbra que antecede o dia, aquele tapete branco aos meus pés e o cheiro do frio, algo que é de saborear e não de contar. A barba molhava com o vapor da minha respiração e endurecia com o frio, a mão direita sem luva, para poder operar a câmera, sentia o rigor e os dedos respondiam pouco aos movimentos. Olhei para frente e vi o cânion Monte Negro como nunca tinha visto. O campo branco até a borda e o imenso espaço da Planície Costeira de Santa Catarina se descortinando abaixo, permitindo a vista até o Oceano Atlântico, com uma atmosfera limpa e transparente devido aos muitos dias de chuva anteriores. Os aglomerados de luzes indicavam lá em baixo, há mais de mil e trezentos metros de desnível, pequenas cidades de Santa Catarina, ainda dormindo e com frio.

De repente vejo que o sol começa a surgir lá no Leste, com aquele clarão que denuncia sua posição no horizonte. Faço alguns registros e a luz que chega ao ambiente mostra a real dimensão daquela geada, que branqueou tudo em volta com uma espessa camada de gelo branco. Assim que o sol se mostrou e iluminou um pouco mais o ambiente, surgiu como que por encanto, uma leve brisa que quebrou aquele silêncio saboroso que eu desfrutava, uma vez que era o único maluco que por ali estava naquele famoso ponto turístico do nosso Rio Grande. Com a brisa veio uma sensação térmica mortal que aumentou o frio à medida que o sol subia e iluminava tudo. Foi tão forte o frio que minha mão congelou e tive que parar de fotografar para poder colocar a luva. Não consegui mais ficar ali na borda do cânion e tive que me abrigar na fralda da mata do Monte Negro para poder ficar mais tempo no local. Mas valeu cada segundo, cada clique, cada dor nos dedos da mão direita.

Geada grande cobriu campos e banhados

Quebrou-se o encanto do silêncio da madrugada ainda gelada com o vento que despertou com o sol, mas isso em nada diminuiu o quadro de beleza que presenciei. Algumas fotos eu mostro aqui para compartilhar, mas a verdadeira sensação de estar ali solito antes da luz chegar, quebrar o gelo com os coturnos, endurecer os dedos e gelar a barba, é indescritível e guardo comigo este registro. Voltei para a estância e me aqueci contando da grande geada para a Antônia, o Pablo e o Afonso, meus queridos anfitriões do Topo do Rio Grande. Aqueci o corpo com um gordo e quente camargo e um lauto café da manhã que só aqui mesmo é possível de se encontrar, assim como esta fantástica geada e o calor destas pessoas que tão bem recebem a todos que por aqui chegam.  

A geada no Topo do Rio Grande

Nasce o dia nos campos do cânion Monte Negro, em São José dos Ausentes, exibindo uma das maiores geadas do ano de 2018. Foi na madrugada do dia 12 deste julho. 

Exército invasor

Uma plantação de pinus parece um exército se postanto em linha, prestes a invadir o campo nativo do Planalto. 

Frio e calor humano

Na Estância Tio Tonho, em São José dos Ausentes, o frio fica só na paisagem. 

A praça de Canela, RS

Parte da praça da cidade Canela, RS, em fase de reformulação completa

Quando viajei para a Argentina, rumo a Ushuaia, a cidade mais austral do planeta, passei por inúmeras cidades daquele país, algumas pequenas, outras medianas e outras grandes. Em todas me chamou muito a atenção a qualidade de suas praças públicas. Lugares amplos, arejados, iluminados, com muitos espaços para circulação, pavimento de bom gosto e ótima conservação, muita gente circulando e utilizando os gramados, os bancos, os sanitários, usufruindo da qualidade do microclima oferecido pela sombra das copas das árvores e da beleza das cores da vegetação ornamental.

Percebi o mesmo cuidado e dedicação aos espaços públicos em outros países que visitei, como na Austrália, Nova Zelândia, Uruguai, EUA e Chile. Agora começo a ver um movimento positivo em nossa praça que a está transformando radicalmente em um espaço mais próximo do que conheci nos outros países. A polêmica maior, pelo que vejo, está na remoção de algumas árvores que ali havia e que sabidamente estavam ou mal posicionadas, muito aglomeradas, ou infestadas de erva-de-passarinho, um parasita vegetal que gosta de se instalar em árvores exóticas que não apresentam muita resistência ao seu desenvolvimento.

Ouço, leio e vejo algumas pessoas inconformadas com esta remoção seletiva de árvores, mas digo que isso é bastante saudável para o espaço, uma vez que as árvores que estão ali agora, são a maioria delas nativas, e assim mais resistentes a erva-de-passarinho e provém de néctar e sementes alimento para a fauna. São grandes e belíssimos exemplares de cedro, ipê-da-serra, araucária, camboatá-branco, pinho-bravo e cambuim, entre outras.  Ainda restam algumas árvores doentes que deveriam ser removidas e substituídas por outras que mostrem a nossa identidade ambiental, como araucária, erva-mate, tarumã, butiá, uvaia e caneleiras.

Os novos espaços que se abriram, com um pavimento descente e muito bem feito, a grande quantidade de novos bancos à sombra das árvores, a reforma do parque infantil que está em andamento, a nova iluminação que abriu a possibilidade de utilização daquele espaço à noite e com mais segurança me remete àquelas praças que conheci e me encantei em outros lugares. Acho que, finalmente, teremos uma praça a altura de nossa cidade, com bons espaço para circulação, canteiros bem cuidados com flores de época, árvores, pracinha para crianças e muitos bancos. Isso é tudo que se quer em uma praça por que é neste espaço que se busca o que não se tem em casa. É na praça que se encontram as pessoas, onde se pode sentar e apreciar o movimento, tomar um mate à sombra, levar as crianças para brincar, ler um livro, atualizar as redes sociais, cainhar, andar de bicicleta, comer um churro, fazer um encontro de negócios, ouvir e ver pássaros e outras aves que dividem o espaço tranquilamente com as pessoas. Assim vejo uma praça e confesso que, até agora, não via a nossa muito atrativa e convidativa para ser utilizada e desfrutada. 

Vejo que há muito investimento na praça e parece que uma parte dele é de compensação ambiental de empreendimentos que estão ou foram executados na cidade. Pergunto se, com esta desenfreada corrida imobiliária que estamos assistindo, não se poderia apensar nos novos projetos de hotéis e prédios de apartamentos, uma ação permanente de investimentos no Parque do Palácio, tão carente de atenção pública? Seria simples assim: “Vais construir em Canela? Então destine a compensação ambiental para investimento no Parque do Palácio”. Certamente a Prefeitura teria recursos novos para ali investir numa infraestrutura de apoio ao visitante. Sei que não é tão simples assim, mas vejo que há diversos tipos de compensação ambiental, então por que não direcionar algum para lá? Na vizinhança do Parque começam a ser erguidos dois novos hotéis que bem poderiam ser os primeiros a participar deste formato de apoio ao espaço. Seus hospedes certamente iriam saber disso e poderiam usufruir também do local, bastando andar pouco mais de duzentos metros. Sugiro isso com forma de colaboração para que possamos ter recursos para investir nesta preciosa área verde da nossa bela cidade.

Vida perto da água

Um arroio no interior de uma monótona plantação de pinus permite a diversidade da vida vegetal. Musgos, gramíneas e samambaias disputam o pouco de barrancas que oferecem condições mínimas para o desenvolvimento. 

Fogo, parceiro ancestral.

Parceiro ancestral da humanidade, atávico e com uma sinergia mais antiga do que aquela que estabelecemos com os cães e gatos. Até hoje é fundamental na culinária, no aquecimento das casas, como uma companhia numa lareira ou em um fogo de chão de galpão ou acampamento. O fogo é o cara! 

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