Blog Vale do Rio Silveira

Hóspedes que se dependuram

Barba-de-velho, um líquem de cor verde e barba-de-pau, uma bromélia de cor cinza misturadas em um árvores de Branquilho na margem do Rio Silveira

Muitas plantas se desenvolvem produzindo tecidos rígidos que suportam seu peso e suas estruturas complexas de galhos e folhas, criando troncos com muitas formas, texturas e características que as tornam únicas. Outras plantas e organismos evoluíram se aproveitando destes troncos e galhos abundantes e se desenvolvem dependurados sobre eles, buscando sempre o melhor posicionamento para conseguirem um pouco da preciosa luz do sol, escassa dentro da floresta.  Viver sobre um galho no alto de um pinheiro, além de estar mais exposto à luz do sol, permite receber mais vento e isso é útil para dispersar suas sementes e receber água da umidade do ar e da chuva que são capturados com facilidade nestes lugares. Aqui no vale do Rio Silveira é muito fácil encontrar estes organismos devido a boa qualidade do ar e da grande e constante umidade que circula por esta região.

A paisagem original

Foz do Rio do Marco (primeiro plano) com o Rio Silveira

Uma coisa difícil de se fazer, mas que eu gosto muito, é tentar abstrair de uma paisagem que está a minha frente o fator humano recente, aquele que veio depois dos nativos daqui, como Caingangs, Xoklengs e Guaranis. Por quê? Talvez nunca saiba, mas isso me desafia e fascina a cada vez que estou em um lugar um pouco mais remoto, como alguns aqui do Vale do Rio Silveira, em São José dos Ausentes. Olho uma paisagem e, caso tenha intervenções humanas como lavouras, casas, estradas, matas de pinus ou pastagens de inverno, utilizo do meu programa mental e vou removendo um a um os elementos. Crio, no final, um quadro que só eu vejo e que consiste de uma paisagem supostamente original porque reconstituo a flora original baseado nos estudos de botânicos dos séculos 18 e 19 com o campo exuberante e a força das matas de araucárias; faço o mesmo com a fauna e devolvo os rebanhos de veados-campeiros, antas, onças-pintadas e os porcos nativos; corrijo as chagas abertas pelas estradas e retiro o sistema de placas de orientação e pontes; cubro os drenos de banhados e várzeas; desmancho as taipas e espalho as pedras novamente pelo campo; removo os barramentos dos açudes e deixo seguir o curso normal das nascentes; abstraio casas, galpões e todo o gado, cavalos, ovelhas, porcos, galinhas, cães e gatos domésticos; faço desaparecer o sistema de distribuição de energia elétrica com seus fios e postes; apago os carros, tratores, caminhões e maquinário em geral. Zero a intervenção humana recente. Aí tento ver o ambiente como era visto e utilizado pelos nossos nativos, com nenhuma destas coisas que listei acima. Eles viviam mais balizados pelos ciclos naturais que tudo comandavam. Pinhão no outono e inverno, outras frutas no verão, caça relativamente abundante e, como alternativa, descerem ao litoral para coletarem moluscos, armazenando suas conchas vazias em montanhas que até hoje se encontram em diversas partes do nosso litoral, conhecidas como “concheiros” ou sambaquis.

As araucárias do Vale do Rio Silveira

Aqui na região do Vale do Silveira, em São José dos Ausentes, ainda é possível ver uma quantidade considerável de araucárias dominando o cenário das matas de encosta e beiras de rios e arroios. Esta magnífica espécie de pinheiro, que é nativo da América do Sul, teve um apogeu de desenvolvimento até as primeiras décadas do século XX, quando foi dado início de sua exploração comercial mais intensa e as madeireiras se multiplicaram por todas as regiões dos três Estados do sul do Brasil, onde a espécie é mais presente. A partir de 1980, devido a superexploração das décadas anteriores, os pinheiros ficaram ameaçados de extinção e o governo implementou regras e proibições de corte. Hoje a demanda sempre crescente desta matéria prima foi substituída pela madeira do pinus, um pinheiro nativo do hemisfério norte e do eucalipto, nativo da Austrália. Ao contrário da araucária, estas duas espécies tem um crescimento muito mais rápido e um aproveitamento comercial mais rentável.

Um museu no campo

Vista externa do Museu Waldemar dos Santos Boeira (Foto acervo Museu)

Museus são aqueles locais destinados a reunir objetos, documentos e outras coisas que pertenceram a uma comunidade em épocas passadas, numa tentativa criativa e oportuna de resgatar a história local ou regional, através de coleções interessantes que contam como era a vida dos primeiros povos e seu desenvolvimento. Pois aqui no Distrito de Silveira, distante 20 quilômetros da sede São José dos Ausentes, tem um destes preciosos lugares – o Museu Waldemar dos Santos Boeira. Acomodado dentro da fazenda secular da Família, o proprietário Francisco Boeira dedica-se a garimpar, identificar e catalogar peças e documentos que recontam com muitos detalhes a chegada de seus ancestrais na região. Rico em detalhes, as exposições reúnem coleções que mostram como viviam os seus avós, um dos pioneiros na exploração pecuária da região.

A Vila do Silveira

Vista panorâmica da Vila do Silveira

Entre São José dos Ausentes e o Monte Negro - o Topo do Rio Grande, existe um povoado daqueles que se encontra nos lugares ermos em que a estrada principal corta a vila ao meio e passa por ruas estreitas muito perto das casas de moradia e comércio. Isolado e com aquele estilo rústico de casas que foram se estabelecendo próximo de empresas de beneficiamento da madeira, a vila se encostou e se desenvolveu na margem esquerda do rio Silveira, num local onde ele desce uma pequena encosta, cascateando e alegrando a vida dos moradores nos meses de calor que, por aqui, não são muitos. Nesta corredeira tem uma ilha longa que desce quase até perto da ponte da estrada principal. Na parte de cima da ilha há uma área de acampamento para os adeptos de um contato mais próximo com a natureza. Um velho ônibus urbano foi adaptado e se transformou numa área de convívio dos campistas, tendo um fogão a lenha e outras adaptações para o conforto térmico nos dias frios.

Os rios que quase se encontram

Desnível dos rios Divisa (esquerda) e Silveira (direita) e o estreito bloco de rochas que os separam

Aqui na Pousada Potreirinhos tem um elemento geográfico raro, não visto e nem encontrado em nenhuma outra região do Brasil ou do mundo. Um lugar em que dois rios correm muito próximos um do outro, mas não se encontram, sendo que um circula há mais de 18 metros acima do outro. Tente imaginar um cenário em que um rio corre por cima e outro por baixo, separados por um muro natural de rocha basáltica e que por pouco, mas muito pouco mesmo, um não se mistura com o outro.

Pela margem do rio Silveira

Rio Silveira com antigas taipas de pedras em sua margem esquerda. Ao fundo, o Morro Maracajá

Andar pela margem do rio Silveira é uma coisa que me agrada muito aqui pelas terras da Pousada Potreirinhos. Atravesso o rio num “passo”, lugar onde se pode cruzar a pé com relativa facilidade, pego a margem esquerda que é coberta de campo e sigo os meandros sem pressa, subindo, descendo, apreciando o espetáculo que a cada passo muda e encanta. Cruzo uma taipa de pedras que devem ter sido empilhadas ali muito, mas muito antes de eu ter nascido, e fico apreciando o serviço dos taipeiros que encaixaram uma a uma de acordo com o seu tamanho e forma para que, juntas, criassem uma barreira para o gado e uma demarcação de propriedade. Penso em todas aquelas pedras soltas pelo campo e que foram reunidas e ordenadas para este fim num trabalho duro e comandado por profissionais. Em alguns lugares esta taipa, que corre paralela à margem esquerda do rio, perto da Pousada Potreirinhos, desintegrou-se e novamente as pedras foram espalhadas e cada uma assumindo um novo lugar no campo, outras rolaram para dentro do rio e se foram adiante durante as cheias, batendo-se contra outras, lascando, quebrando e se transformando em fina areia depositada em alguma curva do rio mais abaixo.

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