Blog Vale do Rio Silveira

Hoje eu sou um açude

Ainda lembro de um tempo em que eu era uma vertente forte que jorrava água para fora da terra e deixava escorrer pelo terreno com pressa, empoçando aqui ou ali em algum buraco do terreno, ora vendo o sol pelo campo, ora deslizando na sombra de alguma floresta, mas seguia sempre decidida a encontrar outras águas vindas de outros lugares e que iam se somando, aumentando e seguindo sempre a frente até o mar.

Terneirada

Terrneirada no potreiro pastando e descobrindo o mundo do campo antes de reencontrar as vacas-mães

Terneiros e terneiras de poucos meses de vida estão reunidos em um potreiro de bom pasto, perto do galpão e longe das suas vacas-mães. Ali eles passam a tarde e noite caminhando, saltitando como crianças num pátio de escola, comendo alguma grama e trocando cabeçadas de brincadeiras num ensaio de futuros touros. Deitam-se, ruminam e dormem. Marrons, pretos, manchados de branco são todos crias deste inverno e primavera que se inicia agora. Como primos que se criam juntos, estes terneiros exploram o ambiente do potreiro onde tudo é novo, grande e perigoso. Galinhas e patos dividem o espaço com eles e parecem não existir maior interesse uns pelos outros. Aprendem sozinhos qual o melhor pasto e qual o pior, a hora e o lugar de beberem água do açude, quando descansar ao sol ou na sombra de algum pinheiro, entram juntos para descansar no galpão e explorar o ambiente de sombra e frescor.

O Rio do Marco

Rio do Marco na ponte da RS 20 com vista para sua foz, logo adiante

O Rio do Marco é um importante afluente da margem direita do Rio Silveira, podendo ser visto na ponte da rodovia RS 20, que segue do Silveira para o Faxinal Preto. Seu nome deriva de marcos de pedra que existem ou existiram, em suas margens na época da demarcação das sesmarias. Um destes marcos, encontrado na várzea da Branca, parece que está depositado em um museu na cidade de Vacaria segundo relatos de moradores da região. Ele nasce nos banhados e vertentes próximas do cânion da Coxilha, local onde tive a oportunidade de registrar vários avistamentos do nosso maior cervo – o veado-campeiro. Animal de grande porte, típico destes campos, vive em pequenos bandos que já aprenderam os benefícios das pastagens de inverno que os fazendeiros preparam para o gado. Outras vertentes menores surgem do sopé do Monte Negro, local mais alto e frio do Estado. Nasce pequeno, como todos, e vai engrossando à medida que recebe os tributários de ambos os lados, como o arroio da Branca, que nasce lá na Pousada Monte Negro, passa pela Estância Tio Tonho e corta uma grande várzea encaixada entre altas coxilhas até se juntar ao Marco. Todos os arroios que cruzam a estrada de acesso ao Monte Negro, a partir da pousada Monte Negro, são afluentes direitos do rio do Marco, sempre com águas rápidas, frias e límpidas que andam ora pelo campo, ora pelos matos e podem formar pequenas quedas, como a cachoeira do Lambari e a do Poço Redondo.

A primavera no vale

 A beleza única e emblemática da endêmica orquídea vermelha

Nesta primavera de 2021, campos e matas da região do Vale do Rio Silveira, aqui em São José dos Ausentes, estão mostrando que a estação vai ser colorida, perfumada e alegre como deve ser. O campo já mostra o verde se impondo ao negro das queimadas de agosto e rapidamente restabelece o pasto para o deleite dos herbívoros. Algumas flores já exibem seus matizes de amarelo emprestado pelas margaridas-do-campo e pelos ipês, o branco das margaridas-do- banhado e das carquejas, o vermelho das orquídeas, o lilás das gandularias já colorem intensamente os campos, matas e banhados da região. Ouvir os cantos de acasalamento das aves é outro indicativo forte de que a estação de reprodução já está em curso. Ninhos de corucacas, tico-ticos, gralhas e quero-queros são já vistos por todos os lados, prenunciando uma nova geração de aves de todos os tipos e tamanhos. As espécies migratórias, como o sabiá-ferreiro e o gibão de couro, ainda não chegaram, mas não tardam em sua viagem vindos do Norte para aqui permanecerem até o final do verão.

Taperas do vale

A tapera, por definição, é uma casa ou um grupo delas, abandonadas há muito tempo e em estado de ruína. Gosto das taperas porque elas são os últimos testemunhos de um tempo e depositários de uma história arquivada nos tijolos, caibros, telhados, assoalhos e tudo o mais que sobrou de uma época.

O mata-burro

Mata-burro de aço 

Quando ando por estradas estreitas, poeirentas ou lamacentas do interior de São José dos Ausentes, daquelas que muitas vezes acabam em sedes de fazendas ou algum ponto turístico, muito afastadas de centros urbanos, encontro porteiras que tem que ser abertas para a minha passagem e em seguida fechadas para que o gado, cavalos e ovelhas não escapem. É um serviço aborrecido quando estou sozinho, mas tranquilo quando levo algum caroneiro que, para “pagar” a carona, faz o serviço de abrir e fechar as passagens. As porteiras de madeira são as melhores, mais fáceis de lidar por serem presas pelas dobradiças, o que torna o serviço mais tranquilo e seguro. Pior são aquelas de arame e que exigem uma certa força e jeito para desprender o fio de cima que segura a trama no mourão. O serviço de fechar é pior, principalmente quando os arames farpados insistem em levar um pedaço da pele dos dedos que, sem a prática dos moradores locais, fazem movimentos errados e forças desnecessárias para prender de volta a cancela e acabam espetados ou riscados por alguma farpa.

A solidão do pinheiro

O pinheiro araucária é uma espécie nativa que habita as terras altas do sul do Brasil há muitos milhares de anos. Aqui no Vale do Rio Silveira, em São José dos Ausentes, é possível encontrar muitos locais com grandes concentrações desta magnífica espécie que tem, entre tantas características, a de viver próximas umas das outras, formando maciços que enchem os olhos e instigam a imaginação do observador para entender a necessidade desta vida gregária. O que acontece é que esta espécie de pinheiro tem as flores masculinas e femininas em árvores separadas e, para que a fecundação ocorra, elas têm que estar próximas umas das outras. Quanto mais se encostando um galho no outro melhor será a polinização, que é feita pelo vento, resultando em mais pinhões na próxima safra.

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