Blog Vale do Rio Silveira

A leitura da pedra

Pequena ilha de pedra mostrando o limite para instalação dos líquens

Uma ilha, por definição, é uma porção de terra ou rocha cercada de água por todos os lados, independente se estiver num oceano, rio ou lago. Aqui no rio Silveira, em São José dos Ausentes - RS, há inúmeras ilhas ao longo de seu curso, sendo algumas grandes com pasto abundante, matas e uma fauna que se aproveita destes espaços mais seguros. Capivaras e lontras são frequentes habitantes, visto que as águas que as cercam não serem problema, já que são bem adaptadas ao nado e mergulho.  As ilhas menores surgem aleatoriamente como vigias no meio do rio e são habitadas por poucas espécies de líquens, musgos e algumas gramíneas. Geralmente são formadas por cristas e pontas de rochas mais resistentes ao desgaste provocado pelo embate da água e de detritos trazidos pela correnteza e são bons pontos de apoio para algumas aves pescadoras, como as garças e socós.

Grande ilha com pastagem e araucárias na região da Pousada Cachoeirão dos Rodrigues

Olhando atentamente uma destas pequenas ilhas, vejo um claro indicativo do nível médio da água do rio, o que é mostrado pelo limite da linha de desenvolvimento dos líquens e musgos. Eles se instalam acima deste nível médio com sucesso sendo que, abaixo dele, são arrancados pela velocidade da água ou tem muita dificuldade em se manterem. Estas partes colonizadas pelos liquens me dizem que ali quase nunca chega a água e, quando isso acontece, a duração deve ser pequena e insuficiente para arrancar ou afogar os organismos. Assim, eles resistem a alguns dias submersos para logo voltarem a ter vida normal, fora da água. Também constato que o nível do rio está baixo neste inverno de 2021, prenunciando seca para o verão.

Pequenas ilhas que surgem quando o rio está baixo

Ler o que a pedra pode me dizer é um exercício interessante e explica algumas coisas que eu via, mas não enxergava. Na parte mais alta da pedra, onde é mais difícil a água chegar,  existe um tipo de líquen que é mais arborescente e menos aderido; na parte mais abaixo há uma outra espécie que se gruda mais na rocha, como uma mancha de tinta, difícil de ser removida; nas fissuras e rachaduras da pedra, onde se acumula um pouco de solo trazido pela água ou vento, desenvolve-se uma espécie de gramínea que também tem pelos campos do entorno, indicando que as sementes chegam até ali trazidas ou pela correnteza ou pelo vento e que acharam um lugar ideal para se instalarem; disputando lugar com os líquens, um tapete de musgos também achou espaço e ali se fixou para seguir vivendo e se reproduzindo.

Afloramento no meio do rio colonizado por musgos, líquens e gramíneas. 

A lição maior que tiro desta observação é a de que a vida no nosso planeta não necessita de muito para se instalar e prosperar, bastando um mínimo de condições para que siga a sua meta: crescer, armazenar energia, reproduzir e se espalhar. Esta é a lei que comanda todos que vivem em Gaia, independente se for em um continente, deserto, floresta, campo, beira de estrada, escarpas de um cânion ou numa modesta e pequena ilha no meio de um rio. Para a vida, basta que se de um mínimo de condições e ela saberá aproveitar cada centímetro de espaço e aprenderá sobre os limites, sabendo onde pode ou não se manter. Isto é uma lição para nós que, por muitas vezes não sabermos fazer a “leitura da pedra”, acabamos sendo envolvidos em catástrofes medonhas por termos nos instalado abaixo da linha permitida. Vale também para cada um de nós, pois devemos aprender o limite em relação ao outro. Temos que olhar mais os líquens e aprender com eles, já que são organismos muito mais velhos do que nós e vivem por aqui desde muito antes da América ter se separado da África.

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